Segundo a etimologia da palavra, “gaucho” pode ser derivada do quichua (idioma inca) "huachu" (órfão, vagabundo), de guanches ou guanchos dos habitantes das Ilhas Canárias que, em 1724 refundaram Montevideo,
ou do árabe "chaucho" (um tipo de chicote). As primeiras referências escritas do vocábulo “gaucho”, ainda nos começos do século XVII, referem-se aos “mancebos destas terras”, “moços perdidos”, “moços vagabundos”, “changueadores, vagabundos e ociosos”.
O certo é que, muito embora queiram configurar o gaúcho segundo as teorias CTGeanas, que negam sua formação e apenas aceitam uma de suas fases, ou seja, a transfiguração do tipo andejo e sem lei em sua forma moderna, pós-alambrados, trabalhando nas estâncias, o gaúcho é e sempre será o pária, o excluído da sociedade constituída, a forma livre e indomada do homem total e eternamente ligado ao meio que o sustém, a pampa.
E os que ainda mantêm essa postura, mesmo nos dias atuais, os que sustentam o sentimento do gaúcho em sua acepção mais pura, os que sentem a mãe pampa gritando em suas veias e artérias, que procuram na voz dos ventos sulinos o idioma das boleadeiras e os berros dos touros chimarrões, os que buscam os cantos charruas nas pontas de flecha perdidas de nossa extinta raça-mãe, esses... esses seguem sendo párias.
Somos os excluídos, os perdidos, os não-ouvidos, os que não merecem expressão nem lugar. E se pensarem que isso nos ofende, muito pelo contrário, nos exalta. Nos mostra que realmente somos a expressão cultural maior de nossa raça. Realmente somos a herança quase perdida de nossos antepassados... somos os gauchos de hoje.
As comemorações dos 200 anos de Bagé nos mostram essa dura realidade: quando chamam “Buchecha”,
cantando uma expressão musical derivada do norte-americano, quando chamam “Só Pra Contrariar”, cantando uma expressão comercial-musical corrente no país, entre outros, e negam a expressão devida a expoentes da arte do habitante dessas terras, tais como os poetas Eron Vaz Mattos (maior poeta e escritor crioulo da atualidade), os já extintos Altair Job de Borba e Guido de Jesus Machado Moraes, os grandes músicos, já extintos, Diego Arburua e Adão Ximendes. Os grandes historiadores Tarcísio Taborda e Gaspar Pereira. E, sem dúvida, a maior expressão de nossos
tempos, o historiador e artista plástico Áttila Sá Siqueira, alguém que nunca vendeu um desenho ou uma explanação histórica, pois entendia que sua arte e seu conhecimento deveriam ser de conhecimento e apreciação públicos.
As pessoas que leem esse texto podem pensar em despeito e sei que corro esse risco, mas, ao mesmo tempo, sei que muitos irão entender esse desabafo, pois é Bagé conhecida internacionalmente através desses importantes nomes, anteriormente citados, além de muitos outros. E também dos nossos, poetas músicos, compositores e historiadores da nova geração. Muitos desses novos nomes foram excluídos das comemorações do bicentenário de nossa cidade. Talvez por sermos livres, por dizer o que pensamos, por posicionarmo-nos perante a vida e as injustiças, por erguermos nossa voz aos quatro ventos da terra como sempre fizeram nossos alçados antepassados, por sermos expoentes de uma raça que insiste em não dar o último suspiro de agonia nestes tempos de “progresso e globalização”.
Seguiremos, então, como párias:
“Y a mi que me importa,
Soy chúcaro y libre.
No sigo a caudillos
Ni en leyes me atraco
Y voy por los rumbos
Clariaos de mi antojo
Y a naides preciso
Pa’ hacerme baquiano”.
Serafin J. Garcia (Orejano)
Guilherme Collares
Bagé, 06 de agosto de 2011
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